Os magistrados do Ministério Público associados do SMMP, reunidos em Assembleia Geral

Consideram que:

1. Tal como se temia, a Lei do Orçamento do Estado de 2011 e a alteração unilateral imposta pelo Estado nas relações de trabalho com os seus trabalhadores, no seu núcleo fundamental, avalizada pela controversa e incompreensível jurisprudência do Tribunal Constitucional, constituiu um perigoso precedente e abriu as portas ao arbítrio, à incerteza e à insegurança, sendo um retrocesso sem precedentes no paradigma democrático das relações de trabalho;
2. Sob o pretexto do combate à crise, se assiste à destruição do Estado Social e se põe em causa o próprio Estado de Direito democrático, violando-se garantias constitucionais fundamentais, nomeadamente os princípios da intangibilidade dos salários, da igualdade, da proporcionalidade e da tutela da confiança;
3. Como se previra, os sacrifícios exigidos aos portugueses, aos magistrados em particular, não trouxeram qualquer benefício ao país e à população em geral. Mal geridos e direccionados, sem resolverem o problema da economia e das finanças públicas, serviram para continuar a alimentar velhos vícios, despesas voluptuárias, parcerias ruinosas, vencimentos em cargos injustificados;
4. O Orçamento do Estado para 2012 acrescenta novos cortes, agora dos subsídios de férias e de Natal dos trabalhadores do Estado e dos pensionistas, agrava significativamente e até ao limite do tolerável a situação financeira dos magistrados e aumenta os níveis de perplexidade, pessimismo e insegurança dos cidadãos e das famílias quanto ao futuro;
5. A agravação quantitativa dos sacrifícios previstos para 2012, a acrescer aos de 2011, além de inconstitucionais e socialmente intoleráveis, não é criteriosa nem justamente repartida, propicia sentimentos de revolta e de injustiça, no contexto de uma crise social em crescendo que exige especial sensibilidade social e apurado sentido de justiça;
6. Perante a necessidade de reforço dos laços de solidariedade entre todos os cidadãos e sectores da sociedade, condição para a superação da crise das famílias e do país, o Governo cria fracturas entre o público e o privado e estigmatiza os trabalhadores do Estado, alegados beneficiários privilegiados da segurança no emprego; medidas de cariz neo-liberal, que visam a diminuição do sector público e a criação de estímulos para quem opta pelo sector privado, esquecendo que este não constitui opção em época de recessão e aumento do desemprego;
7. Entretanto se ignoram instrumentos legais expressamente previstos, tais como as regras da resolução e modificação dos negócios jurídicos em função da alteração das circunstâncias- artigos 437.º e seguintes do Código Civil Português – que permitem alterar e revogar negócios ruinosos para o erário público, assim haja vontade política;
8. As situações de emergência nacional, não declarada, e do estado de necessidade, são adiantadas como justificação para a compressão de direitos de milhões de cidadãos, comprometem a solvabilidade das famílias, mas, estranhamente, não são suficientes para desencadear o incumprimento justificado de contratos ruinosos, inexplicavelmente celebrados em proveito, apenas, de alguns, em nome do Estado;
9. Não obstante estas medidas de âmbito financeiro altamente lesivas, o Governo, através da Ministra da Justiça, tem vindo a manifestar empenho, que se reconhece, na credibilização do poder judicial, na dignificação dos tribunais e das profissões jurídicas, na audição e participação das suas entidades representativas, designadamente do SMMP, nas reformas da Justiça, não se assistindo agora, ao contrário do que sucedeu há um ano, a um violento e específico ataque ao sistema de justiça em geral e aos magistrados do Ministério Público em particular.

Deliberam o seguinte:

A. Os magistrados do Ministério Público, conscientes do seu estatuto de defensores da legalidade democrática da República, estão solidários com todos os grupos profissionais e corpos da administração pública e partilham o sentimento de indignação e de injustiça face aos brutais sacrifícios que, arbitrariamente, lhes são impostos no Orçamento de Estado;

B. Os magistrados do Ministério Público estão solidários com todos os cidadãos que, de forma responsável e no respeito das normas constitucionais e legais, pretendam manifestar-se civicamente contra práticas políticas abusivas, lesivas da democracia, comprometedoras do progresso económico e social e da melhoria das condições de vida dos portugueses, nomeadamente com aqueles que farão a greve geral de 24 de Novembro;

C. Os magistrados do Ministério Público, enquanto titulares da acção penal, estão cientes do contributo decisivo que esta magistratura pode e deve dar para a transparência e saneamento das contas públicas, e estão empenhados, como sempre, para se mobilizarem e colaborarem, através de investigação criminal, na prevenção e punição da criminalidade financeira, assim tenham o efectivo apoio e comprometimento do topo da sua hierarquia;

D. A recessão económica, o desemprego, a perda de rendimentos do trabalho, a insolvência das empresas e das famílias e o seu reflexo no ambiente familiar, exigem do Ministério Público em todas as suas áreas de acção, em todos os tribunais e serviços, um esforço acrescido e um empenho redobrado, que os magistrados do Ministério Público estão disponíveis e interessados em dar;E. Mandatar a Direcção para reagir judicialmente contra todas as medidas orçamentais que se afigurem desconformes à Constituição e à Lei;

F. Mandatar a Direcção para, por si só ou, preferencialmente, em coordenação com outras estruturas representativas do sector – Juízes, Advogados, Investigadores, Funcionários Judiciais – que nisso manifestem disponibilidade e interesse, promover outras acções que alertem os cidadãos e salvaguardem a imagem pública dos magistrados.

Lisboa, 12 de Novembro de 2011

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