O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) vai fazer circular em todos os tribunais e departamentos do país uma petição contra a transferência de magistrados do Ministério Público sem que seja obrigatório o consentimento dos mesmos, um princípio que o sindicato teme que possa vir a condicionar as decisões destes profissionais.

A primeira alteração à Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), aprovada a 22 de dezembro, manteve este pressuposto instituído na publicação da lei em 2013. O sindicato fala de uma norma “inconstitucional” e que deveria ter sido removida. Até porque são criadas regras diferentes para os procuradores do MP e para os magistrados judiciais, que terão de dar o seu consentimento antes de serem reafetados. Para o SMMP, “legislou-se em flagrante violação do princípio estatutário do paralelismo das magistraturas, configurando-se duas soluções diferentes”.

O sindicato começou a contestar este princípio quando ainda estava em cima da mesa a proposta de alteração à lei, alertando para que “a criação de um regime em que um magistrado é tratado como uma peça de uma engrenagem, fungível, e que pode ser mudado de um lado para o outro, de acordo com as conveniências de serviço, levará a uma funcionalização da nossa magistratura”.

O conselho superior do Ministério Público decidiu, assim, não efetuar a deliberação final relativa ao documento, mas mais tarde, a pedido da Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, acabou por manter a regra e considerar que não é necessário o consentimento para um magistrado do Ministério Público poder ser reafetado – ao contrário do que acontece com os magistrados judiciais.

Este parecer contrariava a opinião do Ministério da Justiça que, segundo o sindicato, sempre afirmou defender a proposta da necessidade de consentimento.

No dia da votação da LOSJ na especialidade, PCP e Bloco de Esquerda defenderam esta premissa, enquanto PSD, CDS e PS se opuseram à alteração.

COMARCAS SÃO “ENORMES” Agora, o SMMP tenciona usar todos os meios disponíveis para solicitar a inconstitucionalidade das normas que permitem a transferência forçada. Por isso, este organismo está a ultimar os preparativos para fazer chegar aos procuradores a petição que contesta esta regra.

Depois serão encetadas diligências junto dos grupos parlamentares e do provedor de Justiça, com vista a requerer a “fiscalização abstrata sucessiva da norma junto do Tribunal Constitucional”.

“Entendemos que existe uma violação do princípio constitucional que diz respeito à inamovibilidade e estabilidade dos magistrados. Não existem muitos princípios constitucionais relativos à administração da Justiça, mas existe um que diz respeito a este assunto. Ou seja, os magistrados não poderão ser transferidos designadamente para acautelar as suas decisões.

Não podem ser encaminhados para outra zona porque tomaram uma decisão específica.

Existe uma garantia de estabilidade em relação à sua zona de residência e os magistrados não podem ser prejudicados ou sancionados em função das suas decisões”, disse ao i António Ventinhas, presidente do SMMP.

“[A norma em causa] poderá potenciar situações em que os magistrados são transferidos porque tomaram uma decisão que desagrada à hierarquia”, alerta.

O responsável explica que, “há 30 ou 40 anos”, não existiam comarcas tão grandes como as atuais – estas divisões correspondiam a municípios. “Agora, as comarcas são enormes, têm o tamanho de distritos, sendo alguns muito grandes, como, por exemplo, Beja.”

Ventinhas exemplifica que entre Moura e Odemira há uma distância de centenas de quilómetros. Já na comarca do Algarve, que vai de Vila Real de Santo António a Sagres, trata-se de ir de uma ponta à outra do país.

Confrontado com o facto de existir falta de quadros em praticamente todos os municípios e de a possibilidade de reafetar magistrados ter por base essa necessidade, António Ventinhas sublinha que o sindicato já apresentou soluções para resolver esse problema que não passam pela mobilização de profissionais. “A nossa solução relativamente a isso já foi defendida há muito tempo e já está a começar a ser resolvida, em parte, com a abertura de novos cursos de magistrados.”

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Jornal I, 18/01/2017


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