A colaboração premiada é uma realidade consolidada em diversos países no combate à criminalidade grave, complexa e organizada.

Os sistemas jurídicos dos Estados Unidos da América, Itália, Espanha e Brasil, entre outros, socorrem-se desse mecanismo nos processos mais relevantes.

Os grandes processos de combate à Máfia nos Estados Unidos da América ou em Itália não teriam acontecido, se alguns dos membros das organizações não tivessem falado e explicado alguns detalhes essenciais.

As estruturas criminosas mais organizadas só podem ser destruídas por dentro, como facilmente percebem as entidades que investigam.

Por essa razão, as máfias do sul de Itália, em especial da Sicília, dão tanta importância à “Omertá”, ou seja, o voto de silêncio dos seus membros.

Só a quebra dos pactos secretos permitiu que o processo “mãos limpas” tivesse atacado fortemente a corrupção e a criminalidade organizada em Itália.

A importância da colaboração premiada também está espelhada na operação Lava Jacto e noutros processos de corrupção investigados no Brasil.

Nos Estados Unidos da América foram desenvolvidos programas complexos para obter a colaboração de membros das organizações criminosas.

Para além de alguns arguidos verem a sua pena reduzida ou suprimida, a justiça norte-americana criou um sistema de protecção que inclusivamente possibilita a mudança de identidade e residência.

Se alguém que se encontra no circuito decide falar e revela os circuitos do dinheiro, como o esquema foi desenhado e quais os seus principais intervenientes, a possibilidade de combater o crime aumenta exponencialmente.

Quem se encontra melhor colocado para revelar esquemas criminosos complexos tem de participar de algum modo na prática dos factos, pois conhece bem a realidade por dentro.

A única razão porque essas pessoas são levadas a colaborar passa pela circunstância de poderem obter vantagens pessoais, designadamente uma redução ou dispensa da pena.

Os grandes defensores da eficácia do sistema norte-americano (que o mencionam por tudo e por nada) recusam-se a aceitar a implementação da colaboração premiada em Portugal na criminalidade económico-financeira, como anteriormente criticaram as intercepções telefónicas ou foram contra a valoração das declarações confessórias dos arguidos.

A colaboração premiada encontra-se consagrada em Portugal desde 1993, para o tráfico de droga.

O artigo 31º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro ( legislação de combate à droga) diz expressamente que, nos casos de tráfico de estupefacientes, se o agente ” auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis, particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou ter lugar a dispensa de pena”.

Há décadas que a colaboração premiada é utilizada no combate ao tráfico de droga, sem que se tenham ouvido vozes contra.

É de salientar que a pena máxima do tráfico de estupefacientes agravado é de 15 anos de prisão e as penas da criminalidade económico-financeiras são bem mais leves.

A criminalidade de colarinho branco continua a pretender sempre beneficiar de um estatuto especial, pois os seus autores julgam-se acima do cidadão comum.

Cada vez que se pretende avançar no combate à corrupção agitam-se sempre os fantasmas do Estado Novo e a violação dos direitos, liberdades e garantias.

Entretanto, algumas pessoas vão enriquecendo ilicitamente…

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António Ventinhas é presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público
Sábado, 15/02/2017

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