Se um Governo actuar de forma ilegal, mas dominar um Tribunal superior que decida reiteradamente que a actuação daquele não padece de qualquer invalidade, está aberto o caminho para as maiores arbitrariedades

A Europa atravessa um período difícil no que diz respeito ao princípio da separação de poderes.

O poder executivo tem sempre a tentação de tentar controlar o poder legislativo e judicial e assumir a hegemonia sobre os demais.

O grande traço distintivo entre o Absolutismo e as novas repúblicas liberais passa pelo facto dos poderes do Estado não se encontrarem concentrados numa só pessoa, existindo antes diversas instituições com o seu espaço próprio de actuação e que se limitam entre si.

No mundo ocidental ninguém advoga o regresso a um regime Absolutista, pois tal é indefensável nos dias de hoje e mereceria o repúdio dos parceiros internacionais.

No entanto, o ataque à separação de poderes efectua-se hoje de uma forma sibilina.

Em reunião recente ocorrida na cidade do Porto tive oportunidade de ouvir os relatos do que se passa na Polónia, na Bulgária e na Roménia, transmitidos por magistrados que exercem funções naqueles países.

É evidente a tentativa de controlo dos tribunais superiores por parte do actual poder executivo polaco.

Os tribunais são o garante da legalidade, pelo que se quem governa detiver o poder de condicionar as decisões judiciais, estará acima da Lei.

Se um Governo actuar de forma ilegal, mas dominar um Tribunal superior que decida reiteradamente que a actuação daquele não padece de qualquer invalidade, está aberto o caminho para as maiores arbitrariedades.

Nestas condições, um Governo não tem quaisquer limites ou balizas, assemelhando-se as suas práticas à dos regimes absolutistas ou autoritários.

No que diz respeito à Bulgária, a situação apresenta contornos diferentes.

Segundo o que foi transmitido por magistrados daquele país, o executivo búlgaro não respeitou algumas decisões dos tribunais superiores que lhe foram desfavoráveis, afirmando que não reconhecia legitimidade àqueles para as proferirem.

Nestas circunstâncias, o poder judicial fica claramente fragilizado e a sua autoridade pública é colocada em causa.

Quanto à Roménia, a grande ameaça à investigação criminal são os serviços secretos daquele país.

Muitas das intercepções telefónicas utilizadas pelas autoridades judiciárias são efectuadas em aparelhos dos serviços secretos, ou seja, de forma indirecta estes têm acesso a informações próprias da esfera judicial.

No que diz respeito à Turquia, nem vale a pena falar.

Há cerca de um ano foram presos muitos magistrados turcos, outros foram demitidos ou ficaram sem o seu património.

As famílias dos mesmos têm remetido pedidos de auxílio às associações de magistrados europeus, uma vez que se encontram sem meios para prover a sua subsistência.

A mensagem transmitida foi bem clara. Quem se opuser ao regime já conhece o seu destino.

Membros da amnistia internacional e jornalistas que denunciaram o que se passa no país foram igualmente detidos e presos, consoante tem noticiado a imprensa internacional.

Noutros países mais próximos de nós, o poder executivo tem criado normas que permitem a interferência na investigação criminal.

A democracia, o Estado de Direito e a separação de poderes são algo que damos como adquirido nas sociedades modernas, mas é preciso estarmos sempre vigilante para que não existam recuos.

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Sábado.pt – 02-08-2017, por António Ventinhas

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