SABADO.PT  – 06-06-2018

 

O tema dos mega-processos e falta de celeridade da Justiça é discurso corrente entre muitos agentes políticos.

Apesar de não serem dados meios a quem investiga exige-se que estes apresentem resultados.

Num exemplo feliz enunciado por um colega, diz-se a um magistrado para ir rapidamente de Lisboa ao Porto na auto-estrada, mas é entregue uma bicicleta para o efeito.

Se o ciclista demorar algumas horas certamente será preguiçoso, é o que muitos querem fazer crer.

Aqueles que gostam de apontar o dedo à Justiça recusam-se a assumir a lentidão do processo legislativo.

O processo de revisão do estatuto do Ministério Público já demorou mais do que a investigação da Operação Marquês, estendendo-se por mais do que uma legislatura e ainda não se encontra perto de estar concluído.

Neste momento o documento encontra-se ainda a “marinar” na Presidência do Conselho de Ministros, certamente à espera que se concluam os pactos secretos na área da Justiça de que já se houve falar e que irão determinar a versão final do diploma.

O papel do Ministério Público no nosso sistema de Justiça é uma das matérias mais faladas nos corredores e subterrâneos da política.

Hoje, tal como num passado não muito longínquo, há quem defenda que tem de colocar o Ministério Público na ordem e domesticá-lo.

Há várias formas de atingir esse objectivo que podem passar por algumas alterações legislativas.

No nosso sistema, o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) é o órgão de gestão por excelência da instituição, competindo ao mesmo colocar os procuradores nos diversos tribunais e departamentos, aprovar as suas classificações e promoções, bem como exercer o poder disciplinar sobre os mesmos.

Para além destas matérias, algumas das grandes decisões de fundo do Ministério Público são tomadas por este órgão colegial.
O CSMP é presidido pelo Procurador-Geral da República e integram a sua composição quatro Procuradores-Gerais Distritais (que representam a hierarquia de cada um dos distritos judiciais), cinco membros eleitos pela Assembleia da República, dois membros nomeados pelo Governo e sete magistrados eleitos pelos seus pares que representam diversas zonas geográficas e as diferentes categorias profissionais do Ministério Público.

A composição é plural, democrática, tem uma proveniência geográfica diversificada e é integrada por várias gerações, permitindo assim representar as diferentes realidades judiciárias existentes no território nacional.

O nosso CSMP cumpre as recomendações internacionais sobre esta matéria, designadamente as que têm sido formuladas pela Comissão de Veneza e Conselho Consultivo dos Procuradores Europeus?

A resposta é necessariamente afirmativa.

As instâncias internacionais recomendam que exista um conselho superior para regular a actividade dos juízes e que exista outro diferente para os procuradores, o que sucede no nosso País.

Na composição dos Conselhos, recomenda-se que estes não sejam compostos só por magistrados, pois tal situação poderia levar a uma visão corporativa sobre os assuntos e fechar a magistratura à sociedade civil.

Por essa razão, recomenda-se que professores universitários e advogados integrem os conselhos superiores, o que sucede actualmente entre nós.

No entanto, para evitar o risco de politização e interferência externa na actividade das magistraturas, nas instâncias europeias defende-se que os magistrados eleitos deverão estar em maioria.

O nosso CSMP cumpre todas as recomendações internacionais, mas há quem pretenda alterar a sua composição e reforçar a sua componente política.

Num momento em que notáveis ex-governantes se encontram a ser julgados não é estranho que se pretenda acentuar a intervenção política do órgão que gere os procuradores?

Será que alguns políticos querem punir ou prejudicar os procuradores que os investigam?

Será que se pretende condicionar a actividade do Ministério Público, designadamente da investigação criminal, com a apreciação e deliberações sobre casos concretos mediáticos no Conselho Superior?

Será que se pretende criar uma força de bloqueio e intimidação a quem investiga dentro do próprio Ministério Público?

Quando as propostas saírem das sombras em que estão a ser trabalhadas, veremos os acordos que já se desenham.

No seu projecto de estatuto, a Senhora Ministra da Justiça defende a composição do CSMP como existe actualmente.

Se numa matéria desta natureza e importância o seu projecto for desvirtuado pelo partido que suporta o Governo, significará que a mesma foi completamente desconsiderada e terá poucas condições para continuar no cargo.

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por, António Ventinhas

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