14-12-2018 | observador.pt | Autor: Pedro Raínho

 

O grupo parlamentar do PS garante que não pretende “alterar o critério de garantia de uma maioria de magistrados do Ministério Público superior aos elementos eleitos ou designados” pelo Parlamento e pelo Governo. O comunicado — divulgado pela bancada socialista horas depois de o Presidente da República defender que “a autonomia” da ação dos procuradores “é “indiscutível” — também ressalva, ao contrário do que afirmara Marcelo Rebelo de Sousa, que a composição do Conselho do Ministério Público é “matéria de lei ordinária” e não depende de revisões constitucionais.

Em seis pontos, a bancada do PS afasta quaisquer alterações à composição do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) e garante que “a autonomia do MP nunca esteve, não está nem estará em causa”. É uma resposta direta às palavras do Presidente, quando disse que “o Ministério Público, pela Constituição, tem autonomia” e que “isso é indiscutível, não pode estar em discussão nunca”.

Essa autonomia significa nomeadamente autonomia numa das tarefas fundamentais do Ministério Público que é o combate à corrupção, uma prioridade nacional”, defendeu o chefe de Estado esta quinta-feira.

O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público tinha acabado de anunciar a realização de uma greve, em fevereiro, “em moldes a definir”, como forma de protesto contra o “bloco central” de interesses que se estaria a formar no Parlamento, precisamente para alterar a atual composição do CSMP para reforçar a representação de membros nomeados pelo poder político no órgão de gestão e disciplina do Ministério Público.

No comunicado, os socialistas afastam esse cenário. “ Não é propósito do grupo parlamentar do PS alterar o critério de garantia de uma maioria de magistrados do MP superior aos elementos eleitos ou designados fora dessa magistratura”, refere o documento partilhado esta sexta-feira.

Mas o PS deixa uma nota ao Presidente da República, ao “lembrar” Marcelo que “a definição da composição do CSMP é matéria de lei ordinária” e que não depende — ao contrário do que sugeria a declaração do chefe de Estado — “de qualquer necessidade de revisão constitucional”.

A mensagem é esta: os deputados do PS não querem mudar a lei nesse ponto, mas poderiam fazê-lo.

No último domingo, dia em que se assinalava a luta contra a corrupção, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses fez eco das preocupações dos procuradores portugueses, ao manifestar publicamente as suas reservas quanto a alterações ao modelo de nomeação dos membros do CSMP — plasmando neste órgão o equilíbrio que já se verificava, aliás, no Conselho Superior da Magistratura, onde a maioria dos representantes é nomeada pelo poder político.

A bancada do PS vem agora reafirmar um “reconhecimento” pelo “indeclinável papel” do Ministério Público na “garantia da legalidade democrática e na defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, bem como no domínio da ação penal e do combate ao crime”.

Como pano de fundo para a sucessão de intervenções públicas, que culminaram com a declaração de Marcelo Rebelo de Sousa, está um debate, no plenário da Assembleia da República, sobre o estatuto das magistraturas, em que PS e PSD deixaram em aberto mudanças no CSMP.

A 5 de dezembro, o deputado Jorge Lacão deu a cara pelo PS no debate sobre as propostas dos estatutos dos magistrados judiciais e do Ministério Público, que a ministra da Justiça entregou no Parlamento depois de discutir o tema com representantes dos juízes e dos procuradores. Mas o comunicado desta sexta-feira representa um recuo face a essa intervenção.

Com a ministra da Justiça sentada na bancada do Governo, Lacão disse em plenário que, na apreciação da proposta de lei que tinham em cima da mesa, os deputados deviam garantir que os estatutos asseguravam ao Ministério Público “um modelo de eficácia, legalidade e rigor no cumprimento das suas atribuições”. E acrescentou, nessa mesma intervenção:

O propósito é fácil de enunciar, mas para garanti-lo há soluções que não são isentas de controvérsia e em que a presente proposta não toca, como é o caso dos critérios de representação do Conselho Superior do Ministério Público, distinto do que vigora para o Conselho Superior dos Magistrados Judiciais”.

Antes, o deputado Carlos Peixoto (PSD) já tinha defendido a ideia de que “deve ser ponderada uma eventual alteração à composição do CSMP ”, uma vez que a atual maioria de procuradores no seu próprio órgão de gestão e disciplina fragiliza a auto-fiscalização

Agora, e num momento em que as intervenções (do PS, mas também do PSD) começaram a gerar reações, o grupo parlamentar vem reenquadrar as palavras de Lacão : “Ao contrário do que vem sendo referido por alguma comunicação social”, o socialista “não defendeu em plenário a ‘necessidade’ de alterar os critérios de representação do CSMP”, apenas “referiu, sobre o tema, que ‘há soluções que não são isentas de controvérsia ‘, lembrando que o critério de composição daquele órgão é distinto do CSMJ – o que é inteiramente verdade”.

Não estando interessados em rever a composição do CSMP, os deputados do PS estão, ainda assim, “disponíveis para examinar na especialidade, tal como se comprometeram e como lhes compete, todos os domínios da proposta de lei em apreço “, admite a bancada parlamentar socialista.

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