A Assembleia de Delegados Sindicais do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público,
reunida em Sesimbra nos dias 25 e 26 de Outubro de 2014,
analisando os dois primeiros meses da nova organização judiciária e o seu processo de implementação,
aprova as seguintes 

CONCLUSÕES

  • A 1 de Setembro não estavam reunidas as condições legais e práticas para a implementação da reforma da organização judiciária.
  • Não estavam reunidas as condições legais, pois faltavam as alterações aos estatutos das magistraturas, que deveriam ter sido feitas simultaneamente com a Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), o que deixou o Ministério Público numa situação delicada de adaptação da sua organização, definida no seu Estatuto, a uma nova organização dos tribunais. Os problemas criados foram muitos, continuam muitos e nem sempre têm sido superados da melhor forma.
  • A revisão dos estatutos das magistraturas deverá ser concluída com urgência, ainda nesta legislatura.
  • Também não estavam reunidas as condições práticas, nomeadamente ao nível dos edifícios e do sistema informático.
    • Algumas obras estavam feitas e as instalações ficaram adequadas às necessidades; outras estavam feitas e as instalações continuaram desadequadas das necessidades; outras obras só agora começaram, quando isso poderia ter acontecido antes, em momento de férias judiciais. Obras que, em alguns casos, irão condicionar o funcionamento dos serviços e dos magistrados durante anos. Outras que ainda não começaram nem se sabe quando tal sucederá. As “instalações modulares” são efectivamente contentores que não têm dignidade nem condições práticas para acolher tribunais.
    • Em diversas comarcas, há muitas situações em que há falta de salas face ao número de secções/juízes existentes, há falta de gabinetes para magistrados (obrigando-os a repartir gabinete, o que é sempre desaconselhável para o serviço), há falta de salas para a prática de actos.
    • Em muitas secções/departamentos de muitas comarcas faltam equipamentos informáticos aos magistrados do Ministério Público e às suas secretarias: monitores, impressoras, faxes, digitalizadores (que são imprescindíveis para que o Ministério Público possa dar entrada às suas peças processuais em obediência da lei). Em alguns desses locais, os serviços do Ministério Público tinham digitalizadores, mas foram retirados pelos administradores judiciários e colocados nas secções judiciais.
  • O CITIUS – em que são tramitados todos os processos dos tribunais judiciais – continua com graves problemas em muitas comarcas, condicionando seriamente o exercício das funções do Ministério Público:
    • Por exemplo: há processos que ainda não migraram, há processos que migraram mas em que as respectivas complexidades desapareceram (e agora não é possível distribui-los, havendo que, processo a processo, inserir novamente a sua complexidade), há inúmeros magistrados não associados às respectivas unidades orgânicas, há peças processuais que não ficam registadas e outras que se perderam (que haviam dado entrada já após 1 de Setembro), há gravações de declarações para memória futura que desapareceram do sistema e não se sabe se poderão ser recuperadas (mesmo em diligências realizadas já após 1 de Setembro).
  • Mesmo que venham a ser superados todos os problemas recentemente evidenciados (o que não se perspectiva para breve), o CITIUS continua a não ser o sistema de gestão processual que a lei obriga e que os magistrados exigem:
    • Nos termos da Lei n.º 34/2009, de 14.VII, os dados do sistema judicial, devem ser geridos pelo Conselho Superior da Magistratura, pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, pela Procuradoria-Geral da República e pelo Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz, consoante o tipo de processos, e nunca pelo Ministério da Justiça, como continua a suceder. Por outro lado, a LOSJ obriga à tramitação electrónica de todos os processos (artigo 140.º, n.º 2) e não há (nem está prevista) aplicação informática para tal.
    • Como o Governo assumiu no Plano de Acção para a Justiça na Sociedade da Informação, há que construir um sistema de gestão processual que tenha uma arquitectura única para todas as jurisdições e tribunais, de alta segurança e com graus diferenciados de acesso, que garanta a interoperabilidade de sistemas entre todas as entidades envolvidas no decurso do processo judicial (polícias, segurança social, reinserção social e serviços prisionais, etc.) e que dê suporte a todas as actividades realizadas, não apenas às administrativas.
    • Há que urgentemente retomar os trabalhos para a construção desse sistema, mesmo que sejam concluídos apenas noutra legislatura, independentemente da composição do parlamento ou do Governo.
  • O sistema de administração dos tribunais superiores (Decreto-Lei n.º 177/2000, 9.VIII) não respeita a independência do Ministério Público face à magistratura judicial, impondo-se a sua alteração.
  • Como o SMMP sempre alertou que assim sucederia, o funcionamento do conselho de gestão da comarca – com a total dependência do administrador judiciário face ao juiz presidente, cujos dois votos são suficientes para formar a vontade do órgão – retira ao magistrado do Ministério Público Coordenador qualquer possibilidade de decidir sobre matérias que interessam exclusivamente ao Ministério Público, como o seu orçamento, o que é manifestamente desconforme à autonomia do Ministério Público, consagrada na Constituição.
  • A localização de algumas instâncias centrais é inadequada à configuração das comarcas e das suas populações – v.g., família e menores da comarca de Leiria em Pombal.
  • A excessiva centralização das instâncias centrais de instrução está a causar particular prejuízo ao funcionamento dos serviços do Ministério Público na área da investigação criminal, pois levou a que junto de muitas secções centrais de DIAP’s não exista agora, e contrariamente a que sucedia antes, qualquer juiz de instrução, obrigando a viagens diárias de processos, polícias e detidos entre diferentes municípios, com a evidente ineficácia e custos daí resultantes.
    • Sempre que, em qualquer município, o volume de serviço de inquéritos que aí exista justificar a afectação de pelo menos um juiz, aí deverá existir uma Secção da Instância Central de Instrução Criminal ou pelo menos um juiz a exercer essas funções em exclusividade.
    • Em qualquer caso, a afectação do serviço de actos jurisdicionais em inquérito aos juízes das instâncias locais deverá ser limitada a actos muito simples (v.g., constituição como assistente, perdimento de objectos, sanções sobre faltosos), de modo a que não exista retrocesso na especialização nem perturbação ao nível do serviço de julgamentos.
  • A existência de unidades centrais comuns aos serviços do Ministério Público e às secções judiciais tem-se relevado inadequada às específicas necessidades do Ministério Público na investigação criminal, tornando muito mais difícil a preservação do segredo de justiça.
  • O afastamento físico entre secções no mesmo município, existente em muitas comarcas, muito dificulta o trabalho de magistrados do Ministério Público que exercem funções cumulativamente em ambas, obrigando-os a deslocações diárias, com os consequentes custos e ineficiência no aproveitamento do seu tempo. Sempre que possível, deveria procurar-se a concentração das secções num mesmo edifício.
  • Em algumas comarcas (de maior extensão e menor número de instâncias), o afastamento físico entre os tribunais/Ministério Público e as populações constitui problema grave, que era previsível: são frequentes os casos de pessoas que não comparecem às diligências por não terem condições práticas para o fazerem (meios de transporte próprios, transportes públicos, condições financeiras para custear os transportes públicos, colectivos ou individuais).
  • Devem encontrar-se soluções para (pelo menos) atenuar tal afastamento, garantindo um efectivo acesso à justiça:
    • Sempre que se justifique, os julgamentos devem realizar-se nas secções locais (os das instâncias centrais) ou de proximidade (das instâncias centrais e mesmo das locais), conforme previsto na LOSJ e no ROFTJ;
    • Este afastamento também deve ser atenuado pelo Ministério Público através do incremento do atendimento ao público, em todas as suas áreas de competência.
      • Nas secções locais, os magistrados aí colocados deverão estar aptos a fazer atendimento com os primeiros esclarecimentos nas diversas áreas (civil, família e crianças, laboral, etc.), e depois, se necessário, encaminharem para atendimento especializado. A existência de fichas de atendimento normalizadas para as diversas áreas (definidas pela Procuradoria-Geral da República), contendo campos com os principais aspectos a esclarecer, poderá Decreto-Lei n.º 177/2000, de 9 de Agosto ser de grande utilidade.
      • Nos municípios onde não houver qualquer secção, deverá o Ministério Público tentar celebrar protocolos com outras entidades para, regularmente, aí poder ter o contacto directo com os cidadãos.
    • Para isso, é imprescindível que sejam facultados os meios necessários a essas deslocações e exista disponibilidade para o pagamento das despesas realizadas pelos magistrados com essas deslocações.
  • Embora reconhecendo a complexidade e dificuldade de tal operação, o movimento de magistrados do Ministério Público é merecedor de censura a diversos níveis:
    • desvirtuou a intenção da lei de, por regra, permitir que os magistrados se mantivessem nos lugares em que se encontravam:
      • as preferências foram definidas em termos desconformes com os objectivos da LOSJ, de que beneficiaram uns magistrados em detrimento de outros;
      • foi adicionado um critério com grau de relevância não prevista no Estatuto do Ministério Público (a especialização);
    • prolongou-se por Agosto, prejudicando o gozo de férias de muitos magistrados e causando-lhes ainda insegurança na gestão da sua vida pessoal e familiar;
    • em alguns casos, a distribuição dos magistrados pelas instâncias foi inadequada face às respectivas necessidades;
    • culminou com um número elevado de destacamentos, até hoje não publicitados, alguns deles sem qualquer justificação legal, o que foi um claro retrocesso em relação ao sucedido nos últimos anos.
  • Tais erros não poderão repetir-se, devendo o próximo movimento ser preparado atempadamente, com adequada plataforma informática, ser realizado com a antecedência que permita que eventuais reclamações sejam decididas antes das férias judiciais e que, antes destas, todos os magistrados saibam onde se devem apresentar a 1 de Setembro. A distribuição dos magistrados pelas comarcas e instâncias deverá ser feita de acordo com critérios de adequação às necessidades previamente estabelecidos, reduzindo ao mínimo (estritamente necessário) os lugares que abrem ou fecham durante as próprias operações do movimento.
  • A reorganização do Ministério Público para adequação à nova organização judiciária está longe de ser exemplar:
    • Esta reorganização deveria ser feita com coerência, mas com flexibilidade: com obediência aos mesmos princípios gerais enformadores, mas com a maleabilidade que permitisse plena adequação às características próprias de cada comarca. Não havendo um regulamento-quadro de organização das procuradorias da República nas comarcas, ou pelo menos um qualquer documento da Procuradoria-Geral da República que estabelecesse essas linhas gerais, muitas comarcas foram organizadas prosseguindo diferentes objectivos estratégicos nas mesmas áreas – v.g., na investigação criminal.
  • Apesar de a LOSJ prever, sem margem para dúvidas, que apenas o CSMP pode determinar que um magistrado do Ministério Público exerça funções em secção diferente daquela em que o colocou, ou em mais do que uma secção, mesmo com o consentimento dos próprios, são inúmeras as situações, em diversas comarcas, em que tal não está a suceder.
  • Enquanto não houver novo Estatuto, a interpretação do vigente deverá ser feita em conformidade com os princípios resultantes da LOSJ, que, em muitos aspectos, o derrogou.
  • O novo Estatuto do Ministério Público deverá definir com clareza quais os graus hierárquicos existentes, quais os respectivos poderes e de que forma todos se conjugam. Até lá, todos esses responsáveis devem respeitar reciprocamente esses poderes, dentro dos princípios que enformam o Ministério Público e aqueles que agora resultam também da LOSJ.
  • A reforma evidenciou a carência de magistrados do Ministério Público, que nesta altura serão pelo menos 100. Há que procurar com urgência suprir essa necessidade, através de um curso extraordinário para o Ministério Público (especial no recrutamento, mas tendencialmente normal na formação). Independentemente disso, nos futuros cursos ordinários deverá ser reduzida a diferença de quadros que existe em relação aos magistrados judiciais.
  • Os gabinetes de apoio aos magistrados – previstos na lei desde 2008, mas nunca criados e instalados – poderão ser um dos aspectos verdadeiramente inovadores da reforma e factor decisivo de melhoria da eficiência e qualidade do sistema judicial. A Procuradoria-Geral da República deverá iniciar rapidamente todos os procedimentos necessários à sua implementação em todas as comarcas, exigindo ao Ministério da Justiça os meios financeiros necessários a tal tarefa.
  • Enquanto não estiverem resolvidos todos os problemas referidos, não poderá ser exigido o cumprimento de quaisquer objectivos aos magistrados do Ministério Público.
  • Um dos maiores problemas no nosso sistema de justiça continua a ser a carência e devida formação de funcionários judiciais, problema que afecta particularmente o Ministério Público, onde a situação em muitos serviços é de iminente ruptura. Urge preencher os quadros legais, contratando os funcionários judiciais necessários. É essencial para o funcionamento do Ministério Público que os funcionários judiciais se especializem e lhes seja dada a possibilidade de construírem uma carreira nos serviços da magistratura que escolherem.
  • Concordando ou não com esta reforma, em maior ou menor medida, os magistrados do Ministério Público continuam determinados em aplicá-la o melhor possível, com o empenho de sempre em melhorar o sistema de justiça.

Sesimbra, 26 de Outubro de 2014

________________

— Conclusões da Assembleia de Delegados Sindicais de 25 e 26 de Outubro de 2014 [PDF]

Share This