O modelo organizativo da justiça portuguesa tem por base essencial a reforma de Mouzinho da Silveira do século XIX. Ao longo do século XX o modelo evoluiu, mas durante esse período assentou essencialmente no paradigma da pequena comarca.
A partir dos anos 80 do século passado a especialização intensificou-se.
A Lei de Organização do Sistema Judiciário de 2014 apostou fortemente na especialização, com a criação de tribunais para tratamento de matérias específicas em praticamente todo o País.
O Ministério Público também se especializou para conseguir responder aos novos desafios.
Nas grandes cidades surgiram os Departamentos de Investigação e Acção Penal, replicando-se modelos de investigação criminal que existiam em Lisboa, Porto, Coimbra e Évora.
Dentro dessas estruturas criaram-se secções especializadas para a investigação de determinados crimes, como, por exemplo, tráfico de estupefacientes, burlas, criminalidade informática, violência doméstica ou criminalidade económico-financeira.
No Departamento Central de Investigação e Acção Penal investiga-se a criminalidade mais complexa e de âmbito nacional, sendo certo que existem equipas para tratamento de determinadas áreas.
Como já alguns disseram, a especialização leva a que cada vez se saiba mais sobre menos.
As grandes sociedades de advogados apostaram fortemente no tratamento especializado das matérias, sendo certo que alguns profissionais só se dedicam a um assunto específico durante toda a sua carreira.
A Medicina, a Física e outras ciências também têm seguido o mesmo rumo.
O paradigma do médico de clínica geral evoluiu para o médico especialista.
Em momento recente, a Senhora Procuradora-Geral da República falou na necessidade de se constituírem equipas integradas por magistrados oriundos de diversas áreas, como por exemplo, criminal e administrativa, de modo a se efectuar uma abordagem interdisciplinar.
A proposta é de aplaudir, pois alguns factos têm implicações em vários planos.
O crime de corrupção ou tráfico de influências encontra-se muitas vezes conexionado com infracções urbanísticas, sendo certo que o Ministério Público poderá actuar simultaneamente em duas frentes, ou seja, no plano criminal junto dos tribunais criminais e na área administrativa, nos tribunais administrativos.
Num mundo especializado é importante criar equipas com diversas valências, em que cada um possa transmitir ao grupo os conhecimentos que melhor domina.
O conceito do magistrado isolado, capaz de abarcar todo o saber, encontra-se ultrapassado e tem de evoluir para uma nova realidade.
A evolução do magistrado generalista para o especialista é uma realidade, mas agora surge o novo desafio de conseguir optimizar o saber especializado, o que passa pela constituição de equipas.
Numa equipa de fórmula 1 existe um engenheiro perito em aerodinâmica, outro em motores, outro em suspensões, outro em estruturas, técnicos de pneus, de marketing, financeiros e pilotos, concorrendo todos para o mesmo resultado.
As equipas que investigam casos complexos devem ter uma filosofia similar e esse caminho tem sido trilhado no DCIAP e, aliás, bastante intensificado ultimamente pela acção do seu director, Dr. Amadeu Guerra.
É impensável que nas grandes investigações não se trabalhe em equipa e é um desperdício de meios não recorrer aos melhores especialistas que existem dentro de cada uma das instituições.
____________
sabado.pt – 05/04/2017
António Ventinhas é presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público