Na semana passada tiveram lugar as celebrações pascais, momento alto do calendário litúrgico da Igreja Católica, bem como de todas as religiões cristãs.

Na Sexta-Feira Santa, feriado nacional, celebrou-se a paixão de Jesus Cristo que tem como elemento central o julgamento e subsequente execução da pena.

O processo que levou à condenação de Cristo tem sido objecto de análise jurídica à luz do direito romano e judaico vigente na época.

A nível internacional muitos outros autores se debruçaram sobre o tema.

Os autores que analisaram o julgamento de Cristo, de acordo com o que se encontra relatado nos Evangelhos, concluíram por inúmeras violações do Direito Romano e Judaico.

Um deles aponta pelo menos 22 irregularidades no processo.

Segundo João Luís Gonçalves, o Tribunal reuniu à noite, na véspera do dia de descanso dos Judeus e sem a presença de todos os membros do Grande Sinédrio.

Não houve julgamento público, como era habitual e a sentença foi executada de imediato, contrariando o período de intervalo mínimo imposto pelo Direito Romano.

O objecto da acusação alterou-se ao longo do processo.

A acusação inicial de blasfémia perante o Grande Sinédrio, alterou-se para crime de promoção de rebelião pública perante o Tribunal Romano.

Cristo foi vítima de agressões e tortura antes de ser julgado, o que também violou a Lei Judaica.

Face às diversas ilegalidades que sobressaem da leitura dos Evangelhos, no ano de 1948, nos primórdios do estado de Israel, um grupo de cidadãos solicitou ao Supremo Tribunal daquele País que procedesse à revisão da sentença de Jesus Cristo e decretasse a anulação do julgamento.

O Tribunal mencionado declarou-se incompetente para proceder à revisão da sentença, uma vez que a mesma foi proferida por um tribunal romano, não judaico.

Para além da perspectiva histórica e religiosa, o relato dos Evangelhos é actual nos dias de hoje.

Poucos dias antes da última Sexta-Feira Santa, um coro de comentadores concertados dedicou-se a flagelar e a crucificar uma procuradora.

A esse grupo juntou-se uma turba que clamou incessantemente: “crucifiquem-na,crucifiquem-na”, sem saber muito bem porquê.

Alguns comentadores que se insurgiram fortemente no passado contra a derrocada de alguns bancos surgiram agora a defender os seus administradores.

Muitos efectuaram uma forte adjectivação do despacho da magistrada, apesar de nem sequer o terem lido ou conhecer o processo em causa.

Só faltou o apedrejamento público, como nos tempos bíblicos.

O hábito de comentar processos com base em expressões descontextualizadas, fornecidas por jornalistas, continua a ser uma prática frequente entre nós.

Houve comentários que denotaram um profundo desconhecimento da Lei, mas o que interessou foi crucificar a procuradora e reflexamente o Ministério Público.

Tal como noutros tempos, isolou-se uma pessoa que não se podia defender pela posição que assumia e fez-se um julgamento e condenação sumária.

Para alguns, todas as decisões que o Ministério Público tome justificam sempre um ataque.

Se há uma acusação critica-se, mas se há um arquivamento critica-se na mesma. O motivo é descredibilizar a instituição, especialmente quando esta se encontra a investigar pessoas que até há pouco tempo se sentiam intocáveis.

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sabado.pt – 19/04/2017

António Ventinhas é presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público

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