Nesta semana realizam-se as Conferências do Estoril.

A excelência do programa faz deste evento uma referência no panorama internacional.

Um dos painéis reuniu algumas das figuras judiciárias mais relevantes a nível mundial.
Só por si, conseguir colocar na mesma mesa Baltazar Garzon, Sérgio Moro, António Di Pietro e Carlos Alexandre é um feito notável.

As personalidades mencionadas alcançaram um prestígio notável que ultrapassou as fronteiras dos seus países de origem.

A opinião dos mesmos relativamente à colaboração premiada é coincidente, ou seja, trata-se de um meio extremamente eficaz de combate à criminalidade organizada, com provas dadas em diversos processos.

As objecções para a adopção da colaboração premiada, avançadas por muitos comentadores nacionais, foram rebatidas pelos participantes da conferência.

Por diversas razões, não vemos nenhum partido assumir a defesa da colaboração premiada.

A Senhora Ministra da Justiça ainda chegou a equacionar a hipótese de estudar a questão, mas recuou rapidamente.

O tema é quase tabu na política portuguesa.

Os partidos mais à esquerda não gostam da figura por lhes fazer lembrar os célebres delatores da polícia politica.

Os partidos do centro e da direita têm personagens de relevo envolvidos em processos de natureza criminal e, por essa razão, não se querem comprometer com essa solução.

A própria terminologia da figura muda consoante a posição que se perfilhe. Quem a repudia, utiliza o termo delação premiada, para que se faça a associação aos delatores da Pide.

Quem entende que o mecanismo que estamos a analisar é positivo, usa a expressão colaboração premiada.

Entre os criminosos, em especial no meio mafioso, é absolutamente essencial que nenhum elemento da organização conte à polícia o esquema de funcionamento da organização.

Para os criminosos, quem fala é um “bufo” ou um delator e deve ser liquidado o quanto antes, para que sirva de exemplo.

Do lado de quem pretende a realização da Justiça, deve estimular-se a revelação de segredos que permitam a descoberta de crimes graves.

Considerar que alguém que colabora com as autoridades policiais ou judiciárias de um Estado de Direito Democrático é um “bufo” ou um delator, coloca-se num determinado lado da barricada.

Sem a colaboração de Tommaso Buscetta não teria sido possível causar um forte golpe na Máfia Siciliana. A sua actuação foi decisiva para o desfecho final do megajulgamento da Cosa Nostra que ocorreu em Palermo no ano de 1987.

O teorema de Buscetta tornou-se um clássico para quem estuda o crime organizado.
Enquanto decorreu o julgamento, alguns articulistas afirmaram que, tal como o fascismo, o julgamento ameaçava as liberdades civis.

A decisão do julgamento não foi acrítica.
Dos 474 acusados, 114 foram absolvidos, demonstrando que a colaboração premiada não é cega e garante os direitos de defesa.

Um ano depois da sentença, um novo e importante pentito, Antonino Calderone, forneceu provas que conduziram a 160 detenções e a um novo megajulgamento da Máfia Siciliana.

Poderia continuar a elencar diversos processos de relevo em que a figura do arrependido foi determinante para o desmantelamento de organizações criminosas poderosas.

A título exemplificativo menciono Joseph Valachi, colaborador da polícia americana que permitiu desferir um sério golpe nos ramos americanos da Máfia italiana.

Para finalizar, é pena que alguns dos oradores da Conferência do Estoril não tivessem relatado quais as represálias que as magistraturas sofreram por parte do poder politico, por terem iniciado certo tipo de processos.

Assim, os magistrados portugueses poderiam já começar a preparar-se…

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