JUSTIÇA IMPERFEITA
SÁBADO, 11-09-2019 por António Ventinhas


Se é certo que o julgamento por este tipo de tribunal é comum nos Estados Unidos da América, entre nós acaba por ser excepcional.

Esta semana iniciou-se um julgamento mediático com a intervenção do tribunal de júri.

Se é certo que o julgamento por este tipo de tribunal é comum nos Estados Unidos da América, entre nós acaba por ser excepcional.

O legislador reservou a intervenção do júri para os crimes mais graves.

Como regra, só é possível requerer a intervenção de jurados em processos que respeitem a crimes cuja pena máxima, abstractamente aplicável, seja superior a oito anos de prisão.

O júri só intervém se for requerido pelo Ministério Público, assistente ou arguido, ou seja, trata-se de uma intervenção a pedido e não obrigatória.

Há limitações à intervenção do tribunal de júri previstas na Constituição da República Portuguesa.

O artigo 207º, nº1 da Constituição proíbe a intervenção deste tipo de tribunal relativamente ao crime de terrorismo e de criminalidade altamente organizada.

O Código de Processo Penal define a criminalidade supra mencionada como as condutas que integrem crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas, tráfico de armas, tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas, corrupção, tráfico de influência, participação económica em negócio ou branqueamento.

A limitação constitucional visa preservar a independência da decisão.

Um cidadão comum poderá ficar condicionado se tiver de condenar um terrorista ou um membro da Máfia, designadamente por ter medo de represálias contra a sua família.

Em Portugal, o tribunal de júri é composto por 3 juízes de carreira que integram o tribunal colectivo, 4 cidadãos efectivos e 4 suplentes.

O presidente do tribunal que dirige os trabalhos é sempre um juiz.

Ao contrário de outros países, em que o júri só decide se o arguido é culpado ou inocente, entre nós este tipo de tribunal resolve esta questão, mas também matérias jurídicas e determina qual a pena concreta a aplicar.

Os cidadãos escolhidos para o júri estão num plano de igualdade com os juízes de carreira em toda a audiência.

O processo de selecção dos jurados obedece a regras legais.

Um jurado não pode ter mais de 65 anos, tem de possuir a escolaridade obrigatória, não pode padecer de doença ou anomalia que impeça o exercício do cargo, tem de estar na plena posse dos direitos civis e políticos, bem como não pode estar preso ou detido ou ter sido condenado em prisão efectiva.

Há igualmente um regime de impedimentos e incompatibilidades em razão da profissão e do parentesco que impedem um leque alargado de pessoas de desempenharem a função de jurados. Por exemplo, magistrados, advogados, oficiais de justiça, docentes de Direito, polícias, militares, deputados ou Ministros não podem exercer esta função.

O processo de selecção obedece a várias etapas.

Em primeiro lugar são escolhidos aleatoriamente 100 cidadãos dos cadernos eleitorais das freguesias da circunscrição judicial.

De seguida remete-se um inquérito dirigido a cada uma das pessoas.

As respostas eliminam logo um número significativo de potenciais jurados, em razão da profissão, idade ou outras circunstâncias.

Das pessoas que sobram sorteiam-se dezoito que terão de comparecer numa audiência para a escolha de jurados.

O presidente do tribunal de júri inquire as 18 pessoas e verifica se existem impedimentos ou incapacidades para o exercício da função.

O Ministério Público e o arguido podem rejeitar duas pessoas para a qualidade de jurado sem apresentar qualquer justificação.

Os jurados efectivos e suplentes são escolhidos na audiência e posteriormente gozam de um estatuto similar ao dos juízes em muitos aspectos enquanto durar o julgamento.

O tribunal de júri tem vantagens e desvantagens.

No que diz respeito ao processo de selecção, o mesmo é algo moroso e burocrático.

Os jurados não têm preparação técnica para decidir as questões jurídicas e são mais facilmente sugestionáveis em processos mediáticos.

A experiência negativa do Tribunal de Júri na I República acabou por condicionar o âmbito de aplicação do tribunal de júri.

Os jurados simpatizantes da causa monárquica levaram à absolvição de muitos monárquicos que tiveram intervenção em revoltas e tentativas de golpes de Estado contra o regime republicano, o que provocou a ira de muitos governantes.

Apesar das objecções que se possam colocar, este tipo de tribunal tem muitas virtualidades.

A participação dos cidadãos na administração da Justiça permite melhor compreender como funciona a mesma.

A experiência profissional de diversas áreas e os percursos de vida diferentes dos jurados permitem um olhar mais alargado sobre a realidade dos factos.

A decisão do tribunal de júri permite que o cidadão comum julgue e seja responsável pela condenação ou absolvição do arguido.

O grau de comprometimento da comunidade com a decisão é muito maior nos países onde o tribunal de júri é aplicado com mais frequência.

Como os cidadãos são regularmente chamados a decidir deixam de ver a Justiça como algo que só pertence aos juízes. Se a decisão que for tomada estiver errada, a culpa recai sobre todos.

Em Portugal, a composição mista do Tribunal de Júri afasta muitos dos perigos que existem noutros sistemas.

Em determinados tipos de crime poderá existir a tentação popular de um certo justicialismo.

O facto de 3 juízes de carreira integrarem o tribunal de júri permite a explicação sobre as exigências processuais, quais os critérios para aplicação das penas, bem como explicar pedagogicamente certos aspectos do processo que necessitam de conhecimento técnico.

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